Crianças com idade entre cinco e sete anos em 2020 enfrentaram um dano persistente em sua alfabetização devido, principalmente, a interrupções educacionais críticas vividas durante a pandemia de covid-19. É o que aponta recente estudo do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), elaborado com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Segundo o levantamento, em 2023, as taxas de crianças de oito a dez anos não alfabetizadas foram consideravelmente mais altas em comparação a 2019. Em 2023, 30% das crianças de oito anos não haviam sido alfabetizadas; em 2019, a taxa era de 14%. Em 2023, aos dez anos, cerca de 10% das crianças não sabiam ler ou escrever, em comparação a menos de 3% em 2019, no período pré-pandêmico.
Para estudiosos do Unicef, percalços educacionais enfrentados no período, como o ensino remoto e as dificuldades associadas a ele – falta de acesso a recursos educacionais e suporte pedagógico adequados, por exemplo – podem ter contribuído para o declínio da alfabetização na idade certa (que deve ser feita entre os seis e os oito anos, segundo a Base Nacional Comum Curricular). Efeitos da pandemia também são observados nos índices de privação total de educação, que parte de 7,1%, em 2019, e atinge o pico de 8,8% em 2021, antes de se estabilizar em 7,7% em 2023.
Local de moradia:
O estudo indica que a residência em zonas urbanas ou rurais é um fator expressivo de desigualdade educacional. As taxas de analfabetismo entre crianças de zonas rurais é maior em relação aos índices observados em zonas urbanas, lacuna que se acentuou com a pandemia. Em 2019, dados indicam que a prevalência do analfabetismo já era mais alta em áreas rurais em todas as faixas etárias (oito a 17 anos), discrepância que se acentua ainda mais em 2023.
Para crianças de sete a oito anos de idade em áreas rurais, o percentual de analfabetismo no pós-pandemia atingiu a marca de 45% – nas áreas urbanas, foi de cerca de 27%. Entre alunos de 11 anos de áreas rurais, a taxa de analfabetismo no período foi de 10% – enquanto, nas áreas urbanas, é próximo de 0%.
Renda:
Em 2019, a disparidade nas taxas de alfabetização entre crianças de baixa e alta renda familiar já era expressiva, mas o gargalo se acentuou em 2023. Crianças de sete a dez anos de baixa renda apresentavam percentual de analfabetismo de 15,6%, em comparação aos 2,5% registrados entre crianças de alta renda. Com os efeitos da pandemia, o percentual do primeiro grupo dobrou e chega a 30%.
“Durante esse período crítico, o fechamento prolongado das escolas e a subsequente demora na reabertura, só amplamente implementada no ano escolar de 2022, criaram lacuna significativa no aprendizado. O hiato educacional foi exacerbado pela insuficiência de recursos adequados de aprendizagem a distância, ou ainda pela inacessibilidade a esses recursos para muitos alunos. […] Além disso, a falta de preparo e de recursos das escolas para lidar com esse tipo de ensino emergencial contribuiu para agravar a situação”, escreve o Unicef.
A entidade reforça que, apesar dos dados indicarem melhora na situação de crianças mais novas – como o decrescimento na taxa de analfabetismo entre alunos de nove anos, de 15,7% em 2022 para 10,2% em 2024 –, as mais velhas ainda enfrentam desafios consideráveis, uma vez que a faixa etária de dez a 11 anos ainda não retornou aos níveis de alfabetização pré-pandemia.
“A perda de aprendizado fundamental nos primeiros anos de formação escolar é particularmente problemática, pois forma a base para o desenvolvimento educacional subsequente. Sem intervenções adequadas para compensar essas perdas, as discrepâncias entre diferentes grupos sociais e econômicos podem acentuar-se ainda mais, perpetuando ciclos de desigualdade já existentes”, destaca o Unicef. O estudo também contempla a análise das dimensões renda, acesso à informação, água, saneamento, moradia, proteção contra o trabalho infantil e segurança alimentar.
Fonte: Correio do Povo