Em março de 2020 o mundo parou ao enfrentar uma pandemia. O novo vírus trouxe uma doença ainda desconhecida e, por várias vezes, mortal. A Covid-19 levou inúmeras pessoas das vidas de suas famílias, trouxe sequelas para outras, e desafios na saúde e na economia mundial. E como lidar com a mudança repentina de rotina, isolamento, ainda mais quando se fala de determinados grupos de pessoas? Na Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) um dos projetos ajudou a população idosa. Intitulado “Saúde Mental das pessoas idosas em isolamento social pela pandemia da Covid-19” prestou apoio a 636 pessoas. O estudo vai virar um livro com lançamento previsto ainda para este ano.
Coordenado pela professora Silvia Virginia Coutinho Areosa, do Programa de Pós-Graduação Mestrado Profissional em Psicologia, o projeto surgiu pois, quando a pandemia foi instalada, o primeiro público que foi colocado em distanciamento e depois isolamento social foi das pessoas com mais de 60 anos. “A Unisc cancelou atividades voltadas a pessoas idosas e veio a preocupação de como ficariam, pois muitos são viúvos, vivem sozinhos ou com cônjuges também idosos”, explica.
Assim, foi criado o “Telecuidado a pessoa Idosa” como uma atividade de extensão ligada ao Grupo de Estudos e Pesquisas em Envelhecimento e Cidadania (Gepec). A primeira etapa foi capacitar alunos da graduação, pós-graduação e residência multiprofissional para fazerem chamadas telefônicas com acolhimento, além de verem as necessidades e como poderiam ser ajudados. “Apenas no ano seguinte, em 2021, foi pensado como projeto de pesquisa e ampliado para três municípios do Estado, em parceria com a Universidade Federal de Santa Maria”.
A equipe de 12 pessoas, com auxílio de duas professoras e também de mestrandos do Programa de Pós-Graduação Mestrado e Doutorado em Desenvolvimento Regional da Unisc, planilhou todas com mais de 60 anos e que tinham cadastro em algum setor da Universidade. “Ligamos para conversar sobre como estavam, quem estava com elas, se necessitavam algo. Os mais estressados ou deprimidos eram colocados em outra lista e as duas psicólogas do grupo, uma mestranda e eu, telefonamos semanalmente para fazer um atendimento por telefone. Além disso, foi criado um número de teleatendimento para que as pessoas, não ligadas a Unisc e de Santa Cruz do Sul, pudessem telefonar e conversar sobre como estavam se sentindo, dúvidas sobre a Covid-19, como se cuidar, entre outras coisas.”
O projeto se estendeu até 2022 em acompanhamento às 636 pessoas que quiseram participar. “Depois, começamos a analisar os dados levantados sobre a saúde mental desta população no período da pandemia e agora estamos produzindo um livro com os resultados. Acreditamos poder contribuir para outras situações como esta que vivemos, no sentido de dar retorno às prefeituras e universidades e reforçar a importância do apoio psicológico e do acolhimento a essa população para prevenção de agravos à saúde mental”, enfatiza.
A professora lembra que no momento do isolamento social as palavras que mais surgiram foram tristeza, medo e ansiedade. Já no segundo ano, esperança, adaptação. E, após a vacinação, veio a retomada da vida e das atividades diárias. “Muitos conseguiram adaptar-se às atividades físicas em casa, aprenderam algum artesanato ou mesmo a entrar em redes sociais para manter vínculos externos. Porém, tivemos muitas mortes também por Covid-19 neste grupo populacional e muitos sentimentos de desvalorização, pois se a pessoa precisava ir para UTI ou utilizar algum equipamento, que era escasso nos hospitais, esses recursos não eram direcionados para pessoas com mais idade, a preferência era por mais jovens e isso revelou ainda mais o estigma em relação a idade”, conclui.
Professora vê semelhanças entre o período de pandemia com o pós-enchente no Rio Grande do Sul
E depois da pandemia, o Rio Grande do Sul parou por causa de registros históricos de chuvas que levaram casas e inundaram cidades inteiras, deixando mortos e várias pessoas desabrigadas e desalojadas. Para a professora, o pós-enchente se assemelha à pandemia, apesar de estar restrito ao território gaúcho, com menos mortes. “Há uma desesperança muito grande para quem perdeu parentes, animais de estimação, sobretudo casas em que haviam passado a vida toda e criado gerações. Além disso, tem a experiência de se encontrar numa situação de risco, que gera o estresse pós-traumático, e o abrigamento em lugares muitas vezes desorganizados, coletivos e sem uma estrutura adequada”
Nestes casos, a professora acredita que o ideal é reforçar serviços de saúde mental públicos para dar conta das demandas que ainda virão nos próximos anos.
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